Por que o frevo, apesar do estardalhaço, do som estridente, da abundância dos metais, é uma música triste ?
- Porque é uma música que transmite a alma do povo nas ruas.
Quem explica é o compositor José Leôncio Rodrigues, boaviagense da rua Capitão Rebelinho, há 20 anos saxofonista da orquestra de Nelson Ferreira e há 16 compondo frevos de rua. Leôncio Rodrigues, como é mais conhecido, passou dois anos sem compor e voltou, neste carnaval de 75, com o frevo ZONA SUL, em homenagem a "este jornal/revista que me entusiasmou, como a todos boaviagenses" . E por ser o frevo a alma do povo, continua Leôncio - ele jamais morrerá, como andam dizendo, porque é a própria alma do carnaval.
O GRUPO DE CULTORES DO FREVO
O frevo é uma música que tem se mantido sem modificações estilísticas ao longo dos anos. Enquanto outros ritmos têm os seus inovadores, o frevo continua obedecendo a mesma temática. Apesar dos muitos modismos de diversos grupos no país, o frevo ficou à margem de todas as ondas e nem a tentativa de Caetano Veloso no impulso do Trio Elétrico chegou a conseguir alguma coisa. O frevo permanece como uma das manifestações mais autênticas da música nacional, porque sua tradição é mantida por um grupo de homens sem a menor afetação, geralmente pacatos chefes de famílias - como Alcides Leão, Lourival Oliveira, Miro de Oliveira e o próprio Leôncio Rodrigues, entre outros. O compositor do frevo de rua - o frevo sem letra, quente, para fazer o passo é um tipo diferente dos outros artistas. A inspiração do frevo não nasce, como no samba, das rodas de boemia, da poesia.
- Para compor um frevo - diz Leôncio Rodrigues - é preciso ter na imagem o povo na rua e o ruído dos metais e da palheta. É exatamente assim que surge a inspiração. A gente fica com a mente aberta, os olhos vendo o povo pulando no asfalto e liga essa agitação com os sons dos metais e da palheta. Se o ritmo que surge na mente combinar com as imagens que se evoca, então o frevo vai dar certo e se passa para o papel.
E, para exemplificar a diferença com o frevo-canção ou o samba, continua:
Nas músicas cantadas geralmente o compositor coloca a música numa poesia, numa letra. Ele vê a letra primeiro e vai colocando a música, o que é muito mais fácil.
Por isso Leôncio considerava o frevo uma música difícil que, de certo modo, só é devidamente apreciada pelo reduzido número de entendidos.
- Porque o frevo - diz - se parece um com o outro. Só mesmo aqueles que sabem interpretar as mínimas variações podem percebecer a diferença e, conseqüentemente, toda a beleza da música.
UMA MÚSICA
DE VIDA MUITO CURTA
Para Leôncio Rodrigues, a principal dificuldade do frevo de rua como música comercial é que ele tem vida muito curta.
- Dois meses, no máximo.
Isso, acentua, não permite que seja eficientemente trabalhado.
- O frevo só tem no máximo janeiro e fevereiro. Fica imprensado. Depois, é o
São João e as fábricas pensam logo nos temas da época. - diz.
Exatamente por isso quase ninguém ganha dinheiro com o frevo, nem as fábricas, que vendem muito pouco.
- Eu mesmo nunca ganhei. São pequenas tiragens. E as emissoras pouco tocam frevo. Aqui no Recife quem sempre prestigia o frevo é Aldemar Paiva.
Além disso, os compositores de frevo de rua de Pemambuco nunca cogitaram de um movimento promocional, no decorrer do ano.
A SITUAÇÃO ATUAL DO MÚSICO
O fato é que o músico pemambucano, ligado ao frevo principalmente,vive em regime de amadorismo.
- Esse negócio de orquestra só é bom para maestro e arranjador - diz.
Leôncio, cuja atividade prdfissional é o comércio de automóveis. Mesmo assim não abandona nem o saxofone, nem o frevo, "porque não posso, o ritmo está dentro de mim.
- As poucas pessoas que vivem de música, aqui, são os maestros Nelson Ferreira, Clóvis Pereira e Duda. O próprio Meneses reforça o orçamento com um emprego. Ah ... é tem a Sinfônica. Quem tem um emprego lá ... Quanto à orquestra de Nelson Ferreira, atualmente é composto de antigos músicos profissionais mas que, agora, ganham o sustento em outras atividades.
- Mas ninguém falha, quando Nelson Ferreira convoca. É só ele tocar o telefone e reune no instante todo mundo. - diz Leôncio.
Aliás, ele faz questão de destacar o senso profissional de Nelson Ferreira e, principalmente, a sua humildade.
- Com o nome que tem, Nelson Ferreira poderia ganhar muito dinheiro. No entanto, é um homem pobre. Talvez o melhor para ele fosse ser empregado, um agente comercial para cuidar dos seus interesses. Não é um comerciante, não tem tino comercial. Nasceu para músico e pronto.
OS SUCESSOS DE LEÔNCIO· RODRIGUES
Apesar de todos os aspectos negativos, da perspectiva de compor quase que exclusivamente para satisfazer uma necessidade pessoal, José Leôncio Rodrigues diz que pemanecerá fiel ao frevo de rua.
- Está em mim.
No seu rosto tranqüilo o entusiasmo brilha quando se lembra do som dos metais que evoca a imagem do passista no asfalto e o rosto da multidão.
Num papelzinho, tem a relação de todos os seus frevos: em 1959, Recordação das Vertentes; 60, Carraspana; 61, Rebolado; 62, Vai Tinir; 63, Frevo em Água Fria; 64, Dixe Bom; 65, Estouro; 66, Dispranaviado; 67, Frevo de Arromba; 68, Interclubes; 69, Bonzão; 70, Nordestão; 72, Saudade das Vertentes (semelhante ao primeiro frevo de rua, de 59) e, depois de passar dois anos sem compor, volta este ano com ZONA SUL.
- Porque o jornal/revista é como o frevo, que me entusiasma e me evoca imagens.